Por Valdetário Andrade Monteiro

Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem transformado uma série de profissões, e a advocacia não é exceção. A jovem advocacia, composta por profissionais recém ingressos na carreira jurídica, enfrenta desafios inéditos e, ao mesmo tempo, oportunidades promissoras com a ascensão da IA no campo do Direito. A compreensão desses impactos e a adaptação às novas realidades são fundamentais para garantir a relevância do advogado em um cenário tecnológico em constante evolução. Para autores como Richard Susskind, especialista em tecnologia jurídica, a transformação digital é inevitável, e a IA será uma ferramenta-chave que alterará significativamente a prática da advocacia tradicional.

O impacto da IA nas funções tradicionais da advocacia

Historicamente, o papel do advogado sempre esteve associado à aplicação do raciocínio jurídico, à defesa dos interesses do cliente e à interação com o aparato judicial. No entanto, a IA está reformulando a maneira como as atividades jurídicas mais básicas são conduzidas. Ferramentas de IA já conseguem realizar a análise de grandes volumes de documentos jurídicos, identificar precedentes relevantes e sugerir redações de contratos com base em padrões pré-definidos. Tarefas que antes demandavam horas de trabalho de um jovem advogado ou estagiário agora podem ser executadas em minutos, com uma margem mínima de erro.

Esse avanço tecnológico tem gerado inquietação, principalmente entre os advogados em início de carreira. Afinal, atividades tradicionalmente delegadas aos profissionais mais novos estão sendo cada vez mais automatizadas, levantando a questão: qual será o papel da jovem advocacia em um futuro dominado por máquinas capazes de realizar tarefas jurídicas com maior eficiência? Nesse ponto, a reflexão de Susskind sobre a transformação dos serviços jurídicos é essencial: ele defende que os advogados devem reavaliar seu papel, focando em atividades mais complexas e estratégicas, que não podem ser realizadas por algoritmos.

A transformação do papel do advogado: de executor a estrategista

O que pode parecer um cenário sombrio, na verdade, deve ser encarado como uma oportunidade para redefinir o papel do advogado. Se por um lado a IA substitui tarefas repetitivas, por outro, abre caminho para que os jovens advogados possam se concentrar em atividades de maior valor agregado. Questões que exigem o uso do raciocínio crítico, a capacidade de negociar, o desenvolvimento de estratégias processuais e a personalização do atendimento ao cliente são áreas em que a IA ainda não pode competir.

Além disso, é importante destacar que, para exercer plenamente o papel de estrategista, o advogado deve ter uma sólida formação cultural. A compreensão do Direito vai muito além do conhecimento técnico; ela exige uma leitura aprofundada das necessidades humanas e sociais postuladas pelos clientes, compreendendo o contexto histórico, filosófico e cultural em que o Direito é aplicado. Minha experiência de 30 anos na advocacia tem me mostrado que, sem essa base cultural robusta, é difícil gerir a complexidade dos desafios jurídicos contemporâneos, principalmente quando se trata de equilibrar a aplicação de novas tecnologias com os princípios fundamentais do Direito. Nesse contexto, a fórmula “fato, valor e norma serão sempre atuais” permanece essencial, pois esses elementos formam a base de qualquer análise jurídica e são tão relevantes hoje quanto em qualquer outro momento da história do Direito.

Nesse sentido, a advocacia não está sendo “substituída” pela IA, mas, sim, reformulada. As funções que requerem julgamento humano, dependem de interpretação e habilidades interpessoais continuarão a ser essenciais. O professor brasileiro Danilo Doneda, especialista em Direito Digital e proteção de dados, ressalta a importância de o advogado manter uma postura crítica frente às tecnologias, defendendo que o profissional jurídico deve ser capaz de mediar entre a tecnologia e os valores fundamentais do Direito. Além disso, os advogados mais jovens, nativos digitais, têm uma vantagem em relação às gerações anteriores: possuem maior facilidade para compreender e utilizar a tecnologia, o que lhes dá a oportunidade de se destacarem ao se apropriarem dessas ferramentas para aprimorar o próprio trabalho.

A ética no uso da IA e o papel do advogado como garantidor da justiça

Com o uso crescente da IA no Direito, surgem também um conjunto de desafios éticos e normativos. Um dos principais pontos de preocupação é a imparcialidade dos algoritmos. Sistemas de IA, apesar de poderosos, são suscetíveis a preconceitos e falhas, principalmente quando treinados com dados enviesados. Isso pode resultar em decisões jurídicas automatizadas que reforçam desigualdades preexistentes, violando princípios fundamentais como equidade e justiça.

Nesse contexto, o papel da jovem advocacia vai além de simplesmente usar a IA como uma ferramenta de trabalho. Ela será fundamental para garantir que o uso da tecnologia respeite os limites éticos e que a justiça continue a ser aplicada de forma justa e transparente. Citando a obra de Lawrence Lessig, professor de Direito na Universidade de Harvard, entende-se que o uso da tecnologia deve ser regido por “códigos” que garantam o respeito aos direitos fundamentais, sendo essencial que o advogado esteja atento à implementação desses códigos para prevenir injustiças.

Ademais, a adoção da IA também levanta questões sobre a privacidade e a segurança das informações. O manuseio de grandes volumes de dados, muitas vezes sensíveis, requer um cuidado especial para garantir que não haja violações de privacidade ou uso indevido dessas informações. A jovem advocacia deve estar preparada para atuar como guardiã dos direitos dos clientes nesse novo ambiente digital.

O advogado do futuro: uma síntese entre tecnologia e humanização

No centro dessa transformação está a necessidade de uma nova formação profissional. Se, por um lado, é indispensável que o advogado do futuro tenha pleno domínio das ferramentas tecnológicas, por outro, ele não pode perder de vista o fator humano que sempre permeou a prática jurídica. O futuro da advocacia exige uma síntese entre o uso da tecnologia e a humanização do Direito.

O conhecimento jurídico continuará a ser a base da profissão, mas habilidades como a empatia, a capacidade de comunicação e o pensamento estratégico serão ainda mais valorizadas. Além disso, advogados com conhecimento técnico, capazes de entender e criticar os sistemas de IA, terão um papel crucial no desenvolvimento e na regulamentação dessas ferramentas, como ressaltado por Frank Pasquale, autor de “The Black Box Society”, que adverte sobre os perigos da opacidade nos algoritmos e a necessidade de advogados atuarem na defesa da transparência no uso dessas tecnologias.

A capacidade de se adaptar rapidamente e de aprender continuamente será um diferencial. A IA pode estar em constante evolução, mas os princípios do Direito e da justiça social permanecem inalterados. Aqueles que souberem integrar esses valores com a tecnologia serão os advogados mais bem-sucedidos no futuro.

Conclusão: Um novo horizonte para a advocacia

A inteligência artificial, ao invés de representar uma ameaça, oferece um novo horizonte para a jovem advocacia. Através do uso inteligente dessas ferramentas, os advogados poderão oferecer serviços mais eficientes e personalizados, permitindo que se concentrem no que realmente importa: a resolução de problemas complexos e a defesa dos direitos fundamentais.

Os desafios são evidentes, mas também são as oportunidades. A jovem advocacia tem a chance de liderar a transformação tecnológica no Direito, ao mesmo tempo em que garante que os valores centrais da profissão – justiça, equidade e ética – sejam mantidos e fortalecidos. Adaptar-se a essa nova era será crucial, mas aqueles que conseguirem se posicionar no cruzamento entre tecnologia e humanização, embasados por uma sólida formação cultural e uma vasta experiência, terão um futuro brilhante pela frente.

 

Valdetário Andrade Monteiro, advogado com quase 30 anos de experiência. Foi presidente da OAB Ceará, Conselheiro do CNJ e Conselheiro Federal da OAB. Além disso, ocupou importantes cargos como chefe da Casa Civil do Distrito Federal, presidente da Caixa de Assistência dos Advogados, secretário-geral da OAB, tesoureiro e vice-presidente em substituição.