A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na transferência de cotas de fundo de investimento em casos de sucessão causa mortis, desde que os herdeiros optem por manter o valor declarado pelo falecido em sua última declaração de Imposto de Renda e não realizem resgate das cotas.
Entenda o Caso
Dois irmãos, herdeiros de cotas de fundo de investimento deixadas por seu pai, solicitaram a transferência das cotas sem alteração no valor declarado pelo falecido. Ao iniciarem o processo, foram informados pelo banco de que haveria cobrança de IRRF. Para evitar a tributação, os herdeiros ingressaram com mandado de segurança preventivo.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) inicialmente decidiu pela incidência do imposto, argumentando que a simples mudança de titularidade configuraria um fato gerador. No entanto, ao analisar o recurso, o STJ entendeu de forma diferente.
Decisão do STJ
O ministro relator, Gurgel de Faria, esclareceu que a legislação tributária permite duas opções para avaliar bens transferidos por herança: pelo valor de mercado ou pelo valor declarado no último IR do falecido. Quando os herdeiros optam por manter o valor declarado e não realizam resgate ou alienação, não há fato gerador do IRRF.
A decisão também destacou que a Lei 8.981/1995, que trata da incidência de IR sobre rendimentos de renda fixa, não se aplica a fundos de investimento nem a transferências causa mortis, pois essas não configuram alienação ou ato de vontade. Assim, a tributação só ocorre em casos de transferência por valor de mercado com ganho de capital.
Legalidade Tributária
O STJ reafirmou o princípio da legalidade tributária, segundo o qual a Receita Federal não pode exigir tributos sem previsão legal clara. No caso analisado, a mera transferência das cotas não configura fato gerador para o IRRF.
Impacto da Decisão
A decisão do STJ é relevante para casos semelhantes, trazendo segurança jurídica para herdeiros que desejam manter cotas de fundos de investimento sem alterações nos valores declarados pelo falecido. Com isso, evita-se uma interpretação tributária que poderia penalizar os herdeiros de maneira indevida.
Processo relacionado: REsp 1968695.
Opinião do Especialista: Valdetário Andrade Monteiro
A decisão da Primeira Turma do STJ representa um marco importante para a segurança jurídica em matéria tributária no Brasil. Como tributarista, entendo que essa interpretação respeita a literalidade das normas e, sobretudo, o princípio da legalidade tributária, conforme previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.
Ao reconhecer que a transferência de cotas de fundo de investimento por sucessão causa mortis não gera, por si só, fato gerador para a incidência do IRRF, o STJ corrige uma possível distorção na aplicação das regras tributárias. A exigência de imposto sobre uma simples alteração escritural, sem resgate ou alienação das cotas, configuraria uma cobrança arbitrária, violando o princípio de que não pode haver tributação sem previsão legal específica.
A decisão também destaca a importância de distinguir entre resgate, alienação ou qualquer forma de liquidação de um investimento e a mera atualização cadastral decorrente de herança. Nesse sentido, ao optar por manter o valor declarado na última declaração de Imposto de Renda do falecido, os herdeiros não realizam qualquer operação que gere ganho de capital ou alteração patrimonial substantiva. Portanto, não há base legal para a cobrança do imposto.
Ademais, a posição adotada pelo STJ reforça a previsibilidade nas relações entre contribuintes e o Fisco, essencial para um ambiente jurídico equilibrado. A tributação deve ser clara, objetiva e respaldada por fatos concretos que demonstrem acréscimo patrimonial ou rendimento efetivo, o que não ocorre na mera transmissão causa mortis.
Essa decisão, além de correta, deve ser celebrada, pois protege os herdeiros contra interpretações equivocadas que poderiam gerar uma carga tributária desnecessária e ilegal. Para o contribuinte, é fundamental que o Estado não extrapole os limites legais na busca por arrecadação. A jurisprudência do STJ, ao consolidar essa visão, traz tranquilidade para situações similares que, infelizmente, ainda são alvo de questionamentos administrativos.
Essa postura do Judiciário demonstra compromisso com o equilíbrio entre a arrecadação tributária e o respeito aos direitos dos contribuintes. É, sem dúvida, uma decisão técnica e alinhada aos princípios constitucionais.